Hey Hobbes, conheces a Marta?

Janeiro 25, 2007 § 4 comentários

Há dias assim. Dias em que nos sentimos suspensos, como um átomo de oxigénio. Dias em que não temos nenhum plano, nenhum compromisso, nenhum horário a cumprir. Somos só nós entregues à sucessão das horas, da melancolia, do vazio que nos preenche. Eu gosto de estar sozinha. E preciso de estar sozinha. Gosto de espaço. Preciso de espaço. Para me reconciliar comigo mesma, com o passado, com as pessoas. Hoje não me consigo imaginar em lugar algum, que não seja a minha própria solidão. Divorciei-me do Sol, do mundo lá fora, da pressa preocupada das gentes, da ambiguidade das falas, da traição dos gestos, da tristeza de fim de tarde. Sinto que me falta alguma coisa, que não consigo determinar. Folheio as páginas da memória em busca de uma resposta, de uma pista, de um sinal, encontro meia dúzia de imagens desfocadas, confusas, cruéis e decido procurar a resposta mais tarde, prefiro não ver, não saber, prefiro fingir não saber, prefiro aceitar que não se pode voltar atrás, não se pode fazer rewind como num aparelho de som. Na vida só temos uma oportunidade.

**************
Mas o que aconteceu, o que mudou Marta? O que te fez tomar essa decisão?

– Nada, não aconteceu nada. Apenas acho que a felicidade devia ser injectada em pequenas doses nas pessoas, porque é um corpo estranho no organismo, as pessoas não têm defesa contra ela, não estão preparadas para serem felizes!

Silêncio. Ouvia apenas a respiração do outro lado da linha. Tensão. Medo. Dúvida. Certeza.

– Achas a felicidade um corpo estranho em ti? Preferes ser infeliz, portanto. Porque já estás habituada, já sabes com o que contar, como agir, como não agir, porque só sabes viver assim. Sou eu? Sou eu que não sou suficientemente bom para ti? É o quê, o cabelo, o nariz, a boca, do que é que não gostas? Não gostas de nada, é isso? Já sei, preferias que te usasse como um objecto, como os outros fizeram contigo? É isso, não te dava luta, devia ter-te tratado mal, é assim que tu gostas, que te façam sofrer, que te façam testar os teus limites. Incomoda-te eu tratar-te como uma pessoa, incomoda-te eu saber quem tu és e conhecer tudo o que tens de melhor, tudo o que te torna especial, única. Incomoda-te eu esperar coisas de ti, determinadas reacções, comportamentos, atitudes, incomoda-te eu pensar todos os dias em ti, apoiar-te em tudo o que fazes, dar-te força quando já não a tens, fazer-te lembrar que não estás sozinha, quando me vens com esses teus olhos tristes. Tens medo de dar certo, de seres obrigada a ostentar uma cara feliz e fazer inveja às amigas? Tens medo do futuro, soa-te a oficial?

– Não! Não, não, não é nada disso. Eu gosto de tudo em ti, tu és perfeito. Talvez seja eu que não encaixe nessa perfeição, não me sinto capaz de competir com ela. Tenho medo, sim, de te magoar, de corromper o que temos agora, seria um crime estragar a perfeição. Prefiro guardar o que vivemos assim, intacto, com paixão, certezas, vontades, sonhos. Não quero nunca associar a nossa história a rotina, obrigação, dever, não quero! Sim, tenho medo do futuro, sim, tenho medo desta nossa coesão, dependência, igualdade, nós somos iguais, queremos o mesmo carro, a mesma casa, já fizemos o projecto da nossa casa num papel, com divisões, com paredes, sofás, camas, open space como querias, havia apenas um quadrado de espaço que sobrava, que não sabíamos o que fazer com ele, lembras-te? Se calhar é assim que eu me sinto, como se tivesse uma lacuna em mim que não conseguisse preencher, por mais sólido que fosse o nosso amor. Prefiro. Prefiro continuar a duvidar do que sou capaz, a ter vergonha de ter qualidades, de as exibir, prefiro continuar a ter vergonha até dos meus passos. Eu acredito em ti e no teu amor, é em mim que eu não acredito. Desculpa!

Silêncio novamente, desta vez ainda mais longo, cheguei a pensar que não teria sequer resposta desta vez. O que seria justo, depois de tudo o que lhe disse, depois daquilo em que me tornei, depois de lhe ter magoado daquela forma.

– Marta, eu conhecia-te quando decidimos tentar de novo. Foram precisos dois anos para te conhecer, e perceber que havia qualquer coisa que não fazia sentido contigo, era como procurar-te na cara de quem passava e não seres tu, era ver-te sempre que fechava os olhos. Cansei-me de te procurar, e quando decidi arriscar, dizer-te o que sentia, eu sabia o que podia acontecer, eu sabia que isto podia acontecer, porque te conhecia melhor do que ninguém.

– Eu não quero que a partir de agora o teu olhar seja de acusação, não quero que a nossa amizade acabe, és demasiado importante para mim, para eu suportar ver-te sair da minha vida, assim, desiludido, magoado. Eu nunca te vou esquecer, nunca nos vou esquecer.

– Não. Isso não vai acontecer. Marta, tu és assim, e eu já sabia disso, portanto, só me resta aceitar.

A chamada terminou. Na meia-hora que se seguiu, fiquei por cima do edredão da cama, no meu quarto, sem me mexer. A única coisa que sugeria movimento eram as lágrimas que escorriam no meu rosto.

§ 4 Responses to Hey Hobbes, conheces a Marta?

  • Tkx diz:

    Não é assim que as histórias acabam 🙂
    🙂 *s

  • Pois não… isto é só uma parte da história… o resto ainda falta escrever… Não achas que é uma história linda? =)

  • Kláudio diz:

    é tão estranho a forma como as coisas acontecem, deixei-me levar pela melancolia quando pensava que a minha historia era unica, que este sofrimento era causa de algo que fiz, mas nunca errei com ninguem, logo o ponto n poderia ser esse. Ate encontrar a tua historia, e ver as terriveis semelhanças, em cada paragrafo teu via um reflexo do que havia sido a minha historia, tocou-me no fundo, nao me senti desesperado, encontrei esperanças e forças, nao sou o unico que ama neste mundo, o unico que quer amar por isso desejo que tanto a tua como a minha tenham um final lindo

  • Kláudio diz:

    é tão estranho a forma como as coisas acontecem, deixei-me levar pela melancolia quando pensava que a minha historia era unica, que este sofrimento era causa de algo que fiz, mas nunca errei com ninguem, logo o ponto nao poderia ser esse. Ate encontrar a tua historia, e ver as terriveis semelhanças, em cada paragrafo teu via um reflexo do que havia sido a minha historia, tocou-me no fundo, nao me senti desesperado, encontrei esperanças e forças, nao sou o unico que ama neste mundo, o unico que quer amar por isso desejo que tanto a tua historia como a minha tenham um final lindo

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